Carona de Palavras
Yas, You Can: A Abelha e o Baixo
As folhas estão caindo por toda parte… é hora de pegar meu caminho.
Carona de Palavras
Tudo começou com John Paul Jones e seu baixo hipnótico em Ramble On. Enquanto Robert Plant cantarolava sobre “folhas caindo” e “cheiro de chuva”, eu me perguntava se o Led Zeppelin tinha previsto meu destino: dali a três quarteirões, uma enxurrada de coincidências iria desabar sobre o Desembréia.
Primeiro, encontrei Yas, a modelo-gastrônoma que veio do Espírito Santo pra conquistar SP com um diploma secreto e um sorriso que brilha mais que o letreiro da Faria Lima. Depois, uma abelha polinizadora de histórias decidiu que meu carro era o novo ponto de encontro da fauna urbana. E no meio disso tudo, o GPS ~ aquele comedor de mortadela digital ~ insistia que eu virasse numa rua que, claramente, existia só nos sonhos molhados de um engenheiro da NASA.
Toda música de verdade tem um baixo. Não estou falando daqueles sons que só servem pra tremer o parachoque ~ falo daquele thump profundo que faz o coração bater no compasso da vida, da nota que entra pela alma e sai pelos pés. O baixo é o profeta das canções: ele não grita, não aparece nas capas de disco, mas sem ele, até o Freddie Mercury ficaria sem graça.
No Desembréia de Deus, essa filosofia vira lei. Meu Toyota Yaris é movido a gasolina, fé e playlists que fariam São Pedro pedir o fone emprestado. Um dia é Led Zeppelin ecoando Ramble On enquanto rezo pra não errar a saída da Marginal; no outro, é o GPS me jurando que a Rua Augusta ~ aquela selva de letreiros neon e motoboys kamikazes ~ é um “lugar tranquilo”. [Spoiler: não é. A não ser que você considere tranquilidade uma kombi de mate doce buzinando no seu ouvido.]
Mas naquele dia específico, a cidade decidiu que eu merecia um upgrade na sina. Em vez das habituais discussões com semáforos ou passageiros que confundem “vire à esquerda” com “vire o disco e toque o mesmo”, São Paulo me presenteou com uma trilha sonora escrita por anjos roqueiros.
Tudo começou com Ramble On, do Led Zeppelin, ecoando no Desembréia. O baixo de John Paul Jones fazia meu Toyota Yaris Sedan XL tremer como se fosse uma Harley-Davidson. Foi então que avistei Yas: na calçada, com um coque bem preso sob uma touca de Chef, sorriso de quem acabou de ganhar na loteria, e uma energia que faria Robert Plant reverenciar.
— Bom dia! Tudo bem se o som continuar? ~ perguntei, já sabendo que ninguém resiste a um bom riff de Led Zeppelin.
— YAS, YOU CAN! ~ ela respondeu, entrando no carro com a confiança de quem vai desfilar no Rock in Rio.
— Seu nome é Yas mesmo? ~ indaguei, já achando que era um apelido.
— Não, mas adotei como lema de vida depois que minha família me deu um nome comum demais ~ respondeu com um sorriso travesso.
Foi assim que começou uma das corridas mais elétricas dos meus dias como “Uber-frei”. Yas não era apenas uma passageira, era um verdadeiro furacão de glitter. Vinda do Espírito Santo com quase 17 anos para ser modelo, ela descobriu que sua verdadeira paixão estava em cortar cebolas sem chorar [ou algo do tipo, sou leigo em gastronomia]. Mas claro, ela não deixou a carreira de modelo pra trás ~ entre uma sessão de fotos e outra, Yas estava concluindo a graduação em Gastronomia. E isso, meus amigos, era um segredo absoluto!
— Tô me formando em Gastronomia, mas shhh… é segredo! ~ confidenciou ela, como se o GPS pudesse dedurar. — Meus pais acham que ainda tô só posando de biquíni na praia. Em junho, vou surpreendê-los com uma moqueca dos deuses divina de deixar Capixaba chorando ao comer, e um diploma!
Enquanto conversávamos, o Desembréia parecia dançar nas ruas de São Paulo. Até que, sem aviso, uma abelha decidiu fazer uma visita.
Olha, eu não tenho diploma de biólogo – meu conhecimento sobre abelhas se resume a saber que elas fazem mel, vivem em colmeias e não costumam aparecer nas capas de álbuns do Metallica. Então quando uma abelha resolveu fazer um pouso não autorizado no ombro da Yas, meu nível de alerta foi direto para “Defcon Apícola”.
Ali, naquele momento crucial, me dei conta de uma triste realidade: o kit de emergência do Desembréia de Deus tem até terço benzido, band-aid do Snoopy e um saquinho de sal grosso pra espantar mau olhado… mas Vitex? Nem pensar. O máximo que eu poderia oferecer em caso de picada seria um…
— Relaxa, Frei! ~ disse ela, sem perder a pose de quem já posou com jacarés em sessões de fotos. — Abelhas são polinizadoras, sabia? Sem elas, não tem comida, não tem flores… nada!
Enquanto ela fazia esse discurso digno de TED Talk, a abelha parecia aprovar com um zumbido suave. E eu, dividido entre a admiração pela cena e a lembrança de que meu extintor de incêndio estava vencido desde 2019, tive uma epifania:
— Essa abelha veio do casamento da Gabriela! ~ exclamei, como se tivesse acabado de desvendar um mistério digno de Sherlock.
Explico: naquela manhã, minha primeira corrida foi com a Gabriela, uma mulher talentosa e expert em eventos, além de madrinha de casamento da Jolie, que se casou em um abençoado sábado às 8h da manhã, em um local super acolhedor na Vila Anglo Brasileira, ali na região de Perdizes. Na primeira viagem, Gabriela levou os arranjos florais, mas acabou esquecendo o buquê na geladeira, e tivemos que voltar para buscá-lo. O buquê estava tão deslumbrante que até o Yaris ficou com ciúmes. Agora, eu suspeitava que a abelha era uma convidada VIP do casamento, aproveitando a carona para conhecer São Paulo.
— Então essa abelha é tipo plus one? ~ Yas riu. — Vou contar pra Gabriela que o inseto marcou presença, sim!
A corrida durou apenas 12 minutos, mas Yas deixou um rastro de glitter e boas energias por onde passou. Ao sair do carro, ela olhou para o Desembréia e disparou:
— Seu carro é igual a um croissant: simples por fora, mas por dentro… perfeição em camadas.
Até hoje não sei se foi um elogio ou uma crítica ao estado do banco traseiro, mas prefiro acreditar que foi a primeira opção.
Enquanto ela desaparecia no horizonte, Ramble On voltou a tocar. A letra parecia um recado direto do além:
“As folhas estão caindo por toda parte… é hora de pegar meu caminho.”
Pois é, John Paul Jones. Yas seguiu o dela, a abelha voltou para os jardins da Vila Anglo, e eu fiquei aqui, refletindo que São Paulo é a única cidade onde uma modelo-gastrônoma, uma abelha freelancer e um frei motorista podem criar uma verdadeira sinfonia ~ desde que o baixo esteja no volume certo.
P.S.: Yas, se um dia abrir um restaurante, me chama. Prometo manter segredo sobre o diploma!
