Um Bom Dia muito diferente, muito mesmo!

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Carona de Palavras

Um Bom Dia muito diferente, muito mesmo!

O Último Homem do Paraíso e o Frei e-uBer

Carona de Palavras

O Frei escondido em mim soltou uma gargalhada. No fundo, eu sabia que toda jornada tem suas paradas inevitáveis ~ algumas no trânsito, outras na vida.

Nem Raul Seixas reuniu tantas ~ embora, é justo dizer, ambos tenham tido um carro à altura de um rockstar.

Nos últimos minutos da corrida, Adão falou sobre sua batalha contra as sequelas da Covid, lembrando dos tempos em que seu Dodge impunha respeito até em quem não era fã de carros. O ronco do motor dava inveja a qualquer Fórmula 1 — só o ronco, porque a potência… ah!, essa nunca fora testada nas pistas, apenas nas ruas da periferia.

Bom dia! Cumprimentei meu novo passageiro que acaba de se acomodar no banco traseiro, bem ao alcance de meus olhos, pelo retrovisor. 
Nem toda dor é constante. Nem toda foto é pra sempre na estante.
Foi assim que Adão entrou na Desembréia de Deus e desatinou a falar da vida.

— O paraíso? Estou aqui há anos, meu filho. Cercado por torres altas, mas com muito verde, coisa linda! ~ disse Adão, ajeitando a boina puída, enquanto a Desembréia circulava pelas últimas ruas do bairro antes de ganhar as avenidas barulhentas e poluídas de São Paulo.

Eu, Frei e-uBer, motorista por vocação e filósofo por falta de opção, sorri pelo retrovisor e segui viagem. Sabia que ele falava do Jardim Santa Terezinha, um oásis de árvores espremido entre prédios da Zona Norte. Um paraíso moderno ~ sem Eva, sem serpente… e sem portaria 24 horas. Mas, com certeza, com algumas maçãs escondidas.

— E como é a rotina no paraíso, seu Adão? ~ perguntei, enquanto a Desembréia de Deus se arrastava pelo trânsito lento, sem opções de fuga do tráfego.

— Ah, segunda e quinta eu saio do Éden e venho pras Clínicas. Ritual sagrado. A única certeza na vida é que a rotina não perdoa e o relógio não espera. A Covid me deu um presente, e eu não consigo desembrulhar nem muito menos quero degustar, mas… é preciso!

O trânsito virou um teatro ambulante, com São Paulo passando em câmera lenta pelas janelas. Sessenta e sete minutos de engarrafamento e um repertório inteiro de histórias. Adão falou das aventuras passadas, das noitadas na Augusta, de quando dirigia seu Dodge Charger RT 1969 e a cidade era uma pista livre.

— Era outro tempo, Frei. Hoje, o corpo pede pausa, e a Augusta… bom, hoje a Augusta pede calma também.

O Frei disfarçado em mim soltou uma risada. No fundo, sabia que toda viagem tem suas paradas obrigatórias ~ umas no trânsito, outras na vida. Adão, já na casa dos sessenta e cinco, carregava no olhar o peso dos anos e, nas palavras, a leveza de quem já entendeu que bom mesmo é quando a estrada vira papo. E quando achava um ouvinte disposto, destrancava o baú de histórias como quem abre um cofre premiado. Nem Raul Seixas colecionou tantas ~ embora, justiça seja feita, ambos tenham tido um carro digno de rockstar.

Quando enfim chegamos ao destino, Adão desceu com a paciência de quem não tem pressa. Me fitou nos olhos, agora não mais pelo retrovisor e concluiu:

— O paraíso pode ser um CEP ou um estado de espírito, mas, no fim, ele é sempre aquilo que a gente carrega por dentro.

E assim, entre engarrafamentos e memórias, a vida continuou. Sem pressa, mas com muita estória para contar.

Frei e-uBer, motorista de histórias e espectador de vidas, assina esta crônica entre um congestionamento e uma esperança.
LuzeAzvdo-Frei_e-uBer
Em cada corrida uma Estória. Em cada Estória: Fé que transforma!
Frei e-Uber | Desembréia de Deus

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