O sol decidiu tirar um cochilo bem no meio do meu trajeto. Foi justamente quando eu achava que o dia não podia ficar mais simbólico, lá estava ela: Thalia, a filha de Zeus, descendo dos céus ~ ou, no caso, da calçada da floricultura ~ com um buquê de girassol nas mãos. Mas nada de toga ou sandálias douradas, não! A musa da comédia vestia um cansaço de dar dó, arrastando os pés como quem já discutiu com todas as noivas de Atenas.
— Boa tarde, Dona Thalia! Para onde vamos? ~ perguntei, ajeitando o retrovisor, curioso com aquela deusa das flores e das olheiras.
Ela suspirou e acomodou as flores no banco ao lado, como se um filho recém nascido fosse; como quem acomoda a esperança ali por um minuto só.
— Para casa ~ disse, num tom que beirava a poesia trágica. — Do altar ao Cambuci.
Eu sorri. Nome de bairro e de fruta, olha só.
— O senhor sabia que cambuci é mais azedo que limão? Mas tem quem goste.
Ela piscou devagar, como se a informação estivesse sendo analisada em alguma dimensão superior do Olimpo, e continuou:
— Já experimentei ~ respondeu, encarando a rua com a expressão de quem viu muita coisa nessa vida. ~ Mas hoje não fiz suco. Fiz bouquets… Muitos. Já perdi a conta.
— Só para noivas? ~ perguntei, meio ingênuo, porque achei que floricultura e casamento eram sinônimos.
Dona Thalia riu, mas daquele jeito que a gente ri quando entende uma piada que não é exatamente engraçada.
— Não só. Mas são elas que mantêm minhas mãos ocupadas. Véus, promessas, buquês… Tudo isso cabe em algumas flores. O problema é que até entre as pétalas há destinos diferentes. Algumas vão para o amor, outras… ~ suspirou, olhando o horizonte — para a despedida.
E o silêncio tomou o carro, aquele silêncio que faz a gente refletir até sobre a vida útil de uma margarida.
Quando chegamos ao Cambuci, as casas antigas e as amendoeiras tortas nos observavam de volta.
— E o seu suco de cambuci? Vai querer? ~ perguntei, quebrando o peso da conversa.
Ela sorriu de canto, ajeitando o buquê nos braços.
— Talvez amanhã. Hoje, o azedume do dia já me basta.
E sumiu na porta de sua casa, enquanto um vento leve espalhava o perfume das flores.
Juro que, ao arrancar com o carro, senti no ar o cheiro agridoce de um cambuci que nunca provei. Ou talvez fosse só mais uma travessura da filha de Zeus, que desceu à Desembréia de Deus para florescer os caminhos de quem cruzasse com ela.