O trânsito de São Paulo tem o dom de transformar qualquer um em filósofo. Basta esperar em um semáforo para questionar a existência, o destino e se vale a pena discutir com um motoqueiro que bateu no retrovisor.
Era uma terça-feira comum, e eu, motorista de aplicativo, aguardava um passageiro. Ele entrou apressado, camisa meio para fora da calça, olhos grudados no celular. Mal fechou a porta e já veio o pedido:
— Moço, pode ir rápido?
Sorri. Esse era o pedido mais contraditório da cidade. “Rápido” e “trânsito” combinam tanto quanto “calmaria” e “fila de banco”.
— Faço o possível — respondi, ajustando o espelho.
No silêncio inicial, apenas o som do motor e das notificações do celular dele, apitando como um alarme de incêndio. Até que ele suspirou fundo e desabafou:
— Sabe quando a vida parece emperrada?
Olhei pelo retrovisor. Jovem, com a pressa de quem quer chegar, mas sem saber exatamente onde.
— Entendo. O que te prende?
— Trabalho, relacionamento, essa sensação de que eu devia estar em outro lugar…
Assenti. Já ouvi esse discurso tantas vezes que, se cobrasse por terapia além da corrida, estaria milionário.
— E por que não vai?
Ele riu, daquele jeito de quem já ensaiou muitas desculpas.
— Não é tão simples…
Sorri de novo. Sempre que alguém diz isso, geralmente é.
— Aprendi dirigindo que ninguém chega a lugar algum sem antes decidir partir. Se não engatamos a marcha, viramos parte da paisagem.
Ele franziu a testa, refletindo.
— Você já se sentiu preso, moço?
Ri. A ironia era grande demais para ignorar. Eu literalmente já estive preso. Mas essa história não cabia ali.
— Já, claro. Mas descobri que nada prende quem se permite seguir.
Ele ficou em silêncio, absorvendo a frase. Alguns minutos depois, bloqueou a tela do celular e olhou para a janela. Pela primeira vez, parecia realmente presente.
— Vou pensar nisso — disse ao sair.
— Boa viagem, então.
E segui. Porque refletir é essencial, mas saber quando sair do pensamento e engatar a primeira… isso é o que realmente move a vida.