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Invadir a privacidade de alguém é como quebrar um espelho: por mais que tente juntar os pedaços, as rachaduras sempre estarão lá.
Fiquei meio assustado, meio encantado. Pastor? Eu? Bem, eu até tenho um ar de sabedoria, mas não sou pastor. Sou apenas um motorista que gosta de ouvir as histórias dos passageiros e, quando possível, dar uns pitacos. Respondi com um “sim” e “não” ao mesmo tempo, e completei: “Na realidade, meus amigos me chamam de Frei, ‘Frei e-uBer‘.”
Até o termômetro pediu arrego. O sol, naquele dia, parecia ter feito uma aposta com o diabo para ver quem assava mais os mortais ~ e, pelo jeito, o diabo estava ganhando de lavada. Eu, já no fim da minha jornada, por volta das 14h30, exausto e suando mais que maratonista no deserto, estava prestes a encerrar o turno quando recebi uma corrida que, sem eu saber, mudaria meu dia ~ e, quem sabe, até minha reputação.
A passageira era Lídia Maia, mãe da Bethany. Entrou no meu carro ~ que, carinhosamente, apelidei de “Desembréia de Deus” pela minha habilidade quase celestial de desembaraçar o trânsito caótico da cidade com uma mistura de fé, sorte e um pouco de ousadia no volante. Assim que fechou a porta, me lançou um “Boa tarde” e, sem nem dar tempo do ar-condicionado começar a fingir que funcionava, soltou a bomba:
— Você é o pastor que dirige dando conselhos?
Pisquei algumas vezes. Pastor? Eu? Bem, reconheço que às vezes solto umas frases de efeito e dou uns pitacos na vida alheia, mas daí a ser pastor já é outra história. Ainda assim, achei melhor entrar na brincadeira:
— Sim e não ~ respondi, enigmático, enquanto ajustava o retrovisor. — Na realidade, meus amigos me chamam de Frei. Frei e-uBer.
Lídia riu, mas logo ficou séria de novo.
— Eu sabia que um dia iria te encontrar. Com certeza, é você que vai me ajudar. Assim como ajudou meu marido a parar de fumar!”
Foi então que ela começou a desenrolar sua história. Sua filha, Bethany, de 15 anos, estava namorando um garoto de 20, e Lídia estava no meio de uma crise existencial daquelas que dão até dor no cabelo. Só que, para piorar a situação, o marido dela agora era ex. E, claro, ela não queria envolvê-lo nessa questão. Afinal, quem quer chamar o ex para ajudar a resolver um problema que já é complicado o suficiente? Era como tentar apagar um incêndio com gasolina.
Lídia estava dividida entre a preocupação de mãe e o orgulho de quem não quer dar o braço a torcer. E, no meio disso tudo, eu, o Frei e-uBer, estava ali, tentando equilibrar o volante e a conversa, enquanto a Desembréia de Deus seguia seu rumo, como um barco em águas turbulentas.
— Estou quase invadindo a privacidade dela para descobrir quem é esse rapaz! ~ confessou, com aquele olhar de mãe dividida entre o amor e a CIA.
Bom, eu já tinha visto de tudo nesse carro. Não como pai, mas como tio, primo e, claro, como o “tio Uber/99” que ouve desabafos de gente de todas as idades e desilusões. Sabia que bisbilhotar a vida da filha não era o melhor caminho. E foi aí que soltei minha pérola de sabedoria:
— Invadir a privacidade de alguém é como quebrar um espelho: por mais que tente juntar os pedaços, as rachaduras sempre estarão lá.
Ela me olhou, desconfiada, mas interessada. Resolvi aprofundar:
— Confiança é igual café quente. Se você derruba, até pode tentar limpar, mas a mancha fica. E, quando a confiança racha, tudo vira um campo minado. Cada conversa vira um interrogatório, cada silêncio, um enigma.
Lídia suspirou.
— Mas e se eu descobrir algo que possa prejudicar minha filha?
— Mães querem proteger os filhos, e isso é lindo. Mas privacidade é um dos pilares do respeito. Derrubou, a estrutura balança. E reconstruir isso… olha, nem um pedreiro espiritual dá jeito rápido.
Ela ficou em silêncio, absorvendo tudo. Depois de um tempo, sorriu, meio tímida.
— Você tem razão. Eu não quero perder a confiança da minha filha. Vou tentar conversar com ela em vez de sair investigando.
Sorri também.
— Isso aí, Lídia! Comunicação é tudo. E, se precisar de mais conselhos, é só chamar o Frei e-uBer!
Ela riu, e senti que, naquele momento, tinha feito mais do que apenas uma corrida. Talvez, por um instante, tivesse ajudado alguém a encontrar um caminho melhor. E, no fim das contas, é isso que vale: ajudar, mesmo que seja com um pouco de humor e umas frases de para-choque de caminhão.
E assim, a Desembréia de Deus seguiu sua jornada, levando passageiros e pitacos de vida pela cidade. Porque, no fim do dia, estamos todos tentando navegar nessa maluquice chamada existência. E, se precisar de um conselho… bom, o Frei e-uBer está na área.~