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No fundo, todo torcedor acredita no impossível.
Epílogo: O Jogo e a Fé
O jogo começou, e a tensão só aumentou. O São Paulo, como sempre, oscilou entre o sublime e o ridículo. A Ponte Preta, por sua vez, parecia mais interessada em complicar a vida do Palmeiras do que em ganhar o jogo. E o Palmeiras? Bem, o Palmeiras só joga na quinta, e ficou no prejuízo.
No final, o jogo terminou com a Ponte fazendo 2 x 1 no São Paulo, e, fiquei imaginando a discussão sobre quem foi o verdadeiro vencedor continuou dentro daquele bar. Já em casa, recebeu uma notificação no celular: “Corrida concluída. Avalie seu passageiro.” Ele sorriu e pensou: “No futebol, como na vida, nem sempre há vencedores claros. Mas a esperança, essa, nunca morre.”
E assim, mais uma noite de Paulistão se encerrou, com torcedores divididos entre a fé e o futebol, mas unidos pela paixão que só esse esporte é capaz de proporcionar. Porque, no final das contas, como dizia Frei e-Uber: “O futebol é a religião do povo, e o Paulistão é a Bíblia.”
Quarta-feira de muitas expectativas. São Paulo aguardava mais chuvas e trovoadas no fim do dia, em pleno fevereiro, às vésperas do carnaval ~situações que só essa cidade sabe oferecer. O ar estava carregado, mas não com a eletricidade de um temporal prestes a desabar. Era a tensão pré-jogo da penúltima rodada do Paulistão.
O celular, antes frenético com notificações de grupos de WhatsApp, silenciou de repente. Até os clientes dos aplicativos de corrida sumiram, como se todos estivessem ocupados demais com algo muito mais importante: o destino do campeonato.
E onde estavam esses torcedores? Dentro do templo da Igreja “Desembréia de Deus”, claro! Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, não era um culto comum. Nada de hinos, nada de orações tradicionais. Hoje, o assunto era outro: “O São Paulo deve ou não entregar o jogo contra a Ponte Preta só para prejudicar o Palmeiras?”
Sentado na primeira fileira, com sua túnica levemente amarrotada e um terço enrolado no pulso esquerdo, estava eu, Frei e-Uber. Sim, com “e” mesmo, porque, como eu costumo dizer, “o Senhor provê e o Uber também”. Frei e-Uber é o líder espiritual da Desembréia e, e ao ser solicitado, motorista de aplicativo. Prefiro não me envolver nas heresias alheias e apenas observava a comunhão dos torcedores, que hoje pareciam mais agitados do que em um culto de virada de ano. Ao meu lado, estava Tião, o palmeirense de carteirinha, e, no banco de trás, Elias, Zé e Paulinho. Todos amigos de chão de fábrica, mas, quando o assunto era futebol, a amizade era posta à prova. Estavam a caminho de um bar para assistir e torcer, mas a discussão já começara antes mesmo de o jogo começar.
— É o seguinte, Elias ~ começou Zé, fiel corintiano e fervoroso, com a voz carregada de emoção. ~ Se o São Paulo entregar, eu até levanto a plaquinha de “Glória a Deus nas Alturas”! Se tem uma coisa que me faz acreditar em milagre é ver o Palmeiras se lascando.
Elias, o Sãopaulino desde a concepção e agora com uns 50 anos, torceu o nariz.
— Mas veja bem, Zé, e se a Ponte Preta resolve nos passar a perna? Eu tenho trauma de 2013! Já basta aquele jogo da Sul-Americana em que nem saímos do vestiário…
— Isso é papo de covarde! ~ interrompeu Paulinho, torcedor fanático do Santos, que já levantava com o dedo em riste. — Time grande não escolhe adversário, só joga pra ganhar! Aliás, falando em ganhar, vocês veram o Peixão hoje: três a zero no Noroeste, com show do Neymar, Guilherme e Sotendo! Quem é esse tal de Cristiano Ronaldo perto do menino Ney?
Frei e-Uber suspirou. Ele já tinha visto discussões acaloradas dentro daquele templo, mas nenhuma como essa. Aqui, já passaram corintianos que nunca perderam a fé, santistas que só acreditavam no milagre se ele viesse dos pés do Robinho [na época em que isso não era polêmico], e palmeirenses que jejuavam antes dos clássicos. O futebol era o verdadeiro divisor de águas, o novo Velho Testamento.
— Irmãos, chegamos ao destino de vocês. Que a paz esteja convosco! ~ Frei e-Uber finalmente interveio, vendo que a coisa estava tomando um rumo perigoso. — O futebol é feito de altos e baixos, como a vida. Quem nunca caiu que atire a primeira pedra. Exceto o São Paulo, que não caiu, mas… enfim, isso é outra história!
— Aqui, nesse grupo de amigos, não tem paz, Frei, tem VAR! ~ gritou Tião, palmeirense de carteirinha, que até então estava calado, sentado no banco da frente. — E se vierem com essa de entregar o jogo, vou precisar de um exorcismo!
A discussão seguiu corrida adentro, cada um defendendo seu lado como se estivessem em um confessionário de arbitragem. O problema era que, na Desembréia de Deus, o juiz nunca era neutro. Hoje, a imparcialidade era mantida a duras penas, mas as paixões clubísticas sempre davam um jeito de aflorar.
— Eu só sei de uma coisa ~ concluiu Frei e-Uber, já abrindo o aplicativo de corrida para garantir sua volta para casa. — No final, só Deus sabe quem ganha esse campeonato. Mas se o Santos continuar jogando assim, eu diria que já estamos salvos!
Os fiéis deram risada, e, por um momento, a rivalidade se dissipou. Porque, no fundo, todo torcedor acredita no impossível. Seja na salvação eterna ou na virada no último minuto. E, acima de tudo, todos sabem que, no futebol e na fé, a esperança é a última que morre. Exceto quando tem pênalti no último lance… aí, meu irmão, só chamando Frei e-Uber para uma oração reforçada!