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Carona de Palavras

O Cuco Guarda o Tempo ~ Nós, as Lembranças.

Às vezes, basta um convite para um café, uma cozinha intacta pelo tempo e o canto de um cuco para que a infância volte a correr descalça pelos corredores da memória.

Carona de Palavras

Concordei. E entendi, ali, que o tempo, de algum jeito secreto, sempre encontra um caminho de volta ao essencial.

O café esfriava na xícara, mas a conversa aquecia como um cobertor de domingo à tarde. Era como se as horas tivessem se curvado, nos devolvendo os chinelos perdidos, os gritos de “esconde-esconde!” e o cheiro do pão quente da vizinha.

O relógio cuco cantou de novo ~ lembrando que o tempo não pede licença.

Há encontros que não se medem em minutos, mas em lembranças ~ e este começou com um simples “vem entrar”, como se os anos nunca tivessem passado.

fomos amigos desde a infância ~ daquelas amizades feitas de pés descalços e promessas feitas debaixo de mangueiras. Ao chegar à sua casa, ao fim do dia, ela me convidou para entrar.

Aceitei, claro. Era só um café, disse ~ mas logo estávamos na cozinha, aquele espaço intacto, como se o tempo tivesse parado para esperar. Parecia que, do outro lado da mesa, nossas mães ainda estivessem ali: uma oferecendo um pedaço de bolo, a outra pedindo um pouco de açúcar ~ “o nosso acabou de novo”.

E ali, no silêncio afetuoso daquela cozinha, o velho relógio cuco, com sua madeira escura da Floresta Negra, marcou a hora. A portinha se abriu, o pássaro apareceu ~ e ela riu, como só quem guarda lembranças leves:

— Você lembra de quando a rua era o nosso quintal?

Sorri. Como esquecer?

— Era, sim. E o mais curioso era que ninguém tinha medo. Os pais deixavam a gente correr solto, porque era ali, justamente ali, que a vida de verdade acontecia. Só voltávamos quando as vozes das mães ecoavam nos portões: “Vem tomar banho! Janta!”… E a resposta era sempre a mesma: “Só mais um minutinho, mãe!”

Ficamos em silêncio. Cada “cuco” do relógio parecia desenrolar um filme antigo: joelhos ralados, pés molhados de chuva, risadas escondidas atrás de árvores.

Ela suspirou:
— A felicidade cabia numa caixa de sapato cheia de bolinha de gude. Tinha carrinho de lata, groselha com leite e amarelinha riscada no asfalto. O céu era o limite.

— Lembro… ~ respondi. — E, quando chovia, virávamos heróis dentro de casa: bonecas de pano, o Falcon nas mãos, futebol de botão virando final de campeonato.

— E a escola? E a Dona Neuza Gigli? ~ riu ela. — Cartilha Caminho Suave, Hino Nacional no pátio, merendeira com pão e goiabada.

Concordei. E entendi, ali, que o tempo, de algum jeito secreto, sempre encontra um caminho de volta ao essencial.

O café esfriava na xícara, mas a conversa aquecia como um cobertor de domingo à tarde. Era como se as horas tivessem se curvado, nos devolvendo os chinelos perdidos, os gritos de “esconde-esconde!” e o cheiro do pão quente da vizinha.

O relógio cuco cantou de novo ~ lembrando que o tempo não pede licença. Mesmo assim, por um instante, parecia hesitar: como se também quisesse adiar o adeus, só mais um pouco.

Foi quando, de novo, me soou nos ouvidos a voz da minha mãe no portão:
— Vem pra casa!
E eu, teimoso como só uma criança feliz pode ser:
— Só mais um minutinho, mãe!

Mas o cuco não me deu esse minuto. Era hora de ir.

Agradeci ~ pelo encontro, pelo riso espontâneo, pela viagem de volta aos meus 9, 12, 15 anos. Saí com a sensação de que talvez ainda houvesse outro café esperando… ou talvez não. Talvez aquele tenha sido o último. Quem saberá?

Só o cuco, lá na parede, testemunha silenciosa de mais de setenta primaveras, conhece o segredo. Ele, que já viu guerras, amores, despedidas e cafés esquecidos, continua cantando como se o tempo não corresse — como se tudo fosse só mais um dia de infância.

Nós, ao contrário, contamos minutos, guardamos lembranças como relíquias e fazemos promessas que nem sempre conseguimos cumprir.

Enquanto isso, lá longe, em gabinetes refrigerados, certos adultos brincam de empurrar o tempo com a barriga ~ como se o país fosse um quintal sem dono, onde ninguém precisa voltar pra casa quando a mãe chama.

Mas a infância nos ensinou outra coisa: a dividir o açúcar, a respeitar o tempo do outro, e a voltar quando alguém te espera.

Já certos adultos… esses ainda fingem não ouvir.

Frei e-uBer, motorista de histórias e espectador de vidas, assina esta crônica entre um congestionamento e uma esperança.
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Em cada corrida uma Estória. Em cada Estória: Fé que transforma!
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Frei e-Uber

A cidade grande não recebeu o jovem sonhador com braços abertos. Sem dinheiro e sem conhecer ninguém, dormiu em rodoviárias e passou fome antes de encontrar um emprego lavando pratos em uma lanchonete. Subiu para chapeiro e depois subchefe, trabalhando exaustivamente, agarrando cada oportunidade, cada centavo. Mas a promessa de voltar para buscar sua família parecia sempre mais distante.

Foto de Matheus Natan: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pessoas-cruzando-a-rua-1813406/