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Carona de Palavras

Tem namorado sortudo, mora perto do hospital.

No meio da conversa, como se alguém lá no alto tivesse humor, começa a tocar “To Be With You”, Mr. Big. Ela pausa o dog, quase vira o refri no banco, olha pra mim e solta:

~ Frei, acho que exagerei. Tô arrependida. Até a música está contra mim.

Carona de Palavras

… o namorado estava lá, de perna quebrada. E não, não foi acidente de moto, nem canelada maldosa no futebol de domingo, muito menos o destino pregando uma peça. Então a Desembréia precisa voar!

~ Márcia entrou no carro com um cachorro-quente numa mão e um coração partido na outra [e eu, Frei.eUber, já sabia que aquela viagem renderia mais que corrida ~ renderia confissão] ~

~ a cidade me ensinou que toda história começa com um portão fechando e um carro arrancando [e a dela começou num hospital, com um namorado de perna quebrada e uma certa Roberta que não perdoa traição] ~

~ naquele instante entre santana e a marginal, eu já podia sentir o gosto amargo do ciúme misturado com ketchup [e soube que a noite traria mais uma página no meu livro de memórias sobre rodas] ~

Tem namorado sortudo, mora perto do hospital.

Ela entrou no carro em Santana com aquele ar de quem já chega com o roteiro da vida escrito e aprovado ~ e eu, que vivo rodando essa cidade como um padre reza o terço, identifiquei de longe o enredo.

Na mão direita, um dogão que é quase uma obra de arte; na esquerda, a latinha de refri, o combustível dos heróis. A cara? Uma novela das seis que o diretor esqueceu de cortar. Como a galera lá de Minas diz: é eita atrás de vixe ~ e eu só esperando o próximo capítulo.

Tinha acabado de sair do hospital e precisava voltar urgentemente ~ aquele itinerário que eu odeio, pressa e São Paulo não combinam. Mas, o namorado estava lá, de perna quebrada. E não, não foi acidente de moto, nem canelada maldosa no futebol de domingo, muito menos o destino pregando uma peça. Então a Desembréia precisa voar!

Foi ciúme!
Daqueles de “eu vi com esses dois olhos que a cara não mente, e a mão… bem, a mão simplesmente entrou em modo juiz de jogo já apitando o pênalti”, tentou justificar a atitude…

O nome dela: Márcia Roberta. Duas personalidades num corpo só.
Dois nomes, duas almas, um só CPF  ~ e a Receita Federal que se vire para entender.
Márcia é festa, risada que estoura igual foguete, abraço que puxa pra dançar até o chão tremer; e, foi essa que pediu o aplicativo.
Roberta é outra pegada: chega de salto afiado e sentença pronta. Não engole desaforo. Se vier com má educação, ela não só devolve como cobra juros e correção monetária.

Pois bem, naquele dia fatídico, foi a Roberta quem recebeu a escalação para entrar em campo. E o namorado ~ aquela figura clássica de ‘amigo de infância que virou amor antigo’, dessas tramas que a vida adora repetir ~ acabou promovido a estatística ortopédica. Virou caso de prontuário médico e lição de moral ambulante.

Eu seguia pela Marginal Tietê, que de noite vira rio de luz cansada, estrada de quem ainda tem coisa pra resolver com o mundo. Já rodei essa cidade de tudo quanto é jeito. Já dormi olhando muro de concreto, já acordei olhando teto de presídio. Mas aprendi que liberdade não é lugar: é o jeito que a gente respira. E eu respiro no volante.

No meio da conversa, como se alguém lá no alto tivesse humor, começa a tocar “To Be With You”, Mr. Big. Ela pausa o dog, quase vira o refri no banco, olha pra mim e solta:

~ Frei, acho que exagerei. Tô arrependida. Até a música está contra mim.

Foi minha deixa.
Porque motorista de aplicativo é isso: psicólogo sem CRP, padre sem batina, conselheiro pago por quilômetro rodado.

Respirei e mandei:
~ Filha… tenta ser mais Márcia e menos Roberta. Senão daqui a pouco não sobra namorado, nem amigo… e nem cachorro-quente vai gostar de ficar na sua mão.

Ela pensou um segundo. Mordeu o dogão com a fúria de quem decifra o universo. Falou com a boca cheia, uma chuva de batata palha caindo solene no colo: “Vou refletir no sermão, Frei. Mas se ele repetir a dose… aí eu viro a Roberta turbo. E aí nem São Jorge de motoca me segura.“

Chegamos.
Luminárias piscando um amarelo cansado, o hospital ali na frente, a cidade respirando naquele calor que só dá preguiça e confusão.

Ela desceu.
E eu fiquei olhando: um homem sábio é aquele que mora perto do hospital. E ela, bem… ela tem a cidade inteira no bolso pra caber suas mil versões de mulher.

Segui viagem.
Porque a noite é uma grávida de histórias. E sempre tem alguém precisando de um confessionário móvel, beber um refri no banco de trás e pedir pra vida explicar o que nem ela mesma entende direito.

Só tem uma coisa que eu tenho certeza absoluta nesse ofício: o amor é lindo, é uma beleza… mas o próximo corno já tá na esquina, fazendo sinal pra mim parar.

Frei e-uBer, motorista de histórias e espectador de vidas, assina esta crônica entre um congestionamento e uma esperança.
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Em cada corrida uma Estória. Em cada Estória: Fé que transforma!
Frei e-Uber | Desembréia de Deus

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Desembréia: 02861-060 – Brasil, São Paulo, Cachoeirinha, Vila Rica, Ouvídio José Antônio Santana.

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Frei e-Uber

A cidade grande não recebeu o jovem sonhador com braços abertos. Sem dinheiro e sem conhecer ninguém, dormiu em rodoviárias e passou fome antes de encontrar um emprego lavando pratos em uma lanchonete. Subiu para chapeiro e depois subchefe, trabalhando exaustivamente, agarrando cada oportunidade, cada centavo. Mas a promessa de voltar para buscar sua família parecia sempre mais distante.

Foto de Matheus Natan: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pessoas-cruzando-a-rua-1813406/