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Carona de Palavras

Um dia que começou pelo fim e terminou em esperança

Às vezes, a vida se revela melhor quando olhamos de trás pra frente ~ quando rebobinamos o dia e percebemos que, entre encontros casuais e histórias alheias, há sempre uma lição sobre fé, amizade e resistência. Nesta crônica, observo cotidiano com olhos de quem entende que cada passageiro carrega um milagre pequeno: o de ainda estar vivo, acreditando, apesar de tudo, na próxima primavera.

Carona de Palavras

Num dia que começa “pelo fim” e termina em esperança, Frei e.Uber ~ motorista de aplicativo e cronista involuntário das ruas ~ percorre trajetos que se transformam em encontros. Entre uma corrida e outra, descobre que a força da vida mora nos gestos pequenos: no idoso que celebra a sobrevivência, na avó que faz da aposentadoria um escudo, na missionária que canta a mesma fé há décadas, e na criança guerreira que enfrenta a dor como quem desafia o destino, cuja luta emociona até os lenços esquecidos. Nas esquinas de supermercados, igrejas, hospitais e cemitérios, Frei e.Uber encontra a revelação: a vida não se conquista em gestos grandiosos, mas na coragem silenciosa de seguir adiante, sorrir, cuidar e acreditar ~ mesmo quando tudo cabe numa sacolinha plástica. E, ao cair da noite, no boteco com o amigo Natal, as canções da infância voltam a ecoar como uma prece: enquanto houver quem dance, cante e escute o trinado dos sabiás, a primavera ~ e a esperança ~ sempre encontrarão o caminho de volta.

Começo a crônica de hoje de trás pra frente ~ como quem rebobina o dia pra entender o que, de fato, fez sentido. Uma reflexão simples, mas necessária, sobre tudo o que vivi.

A vida, com seus mistérios sempre se revelando aos poucos, nos presenteia diariamente com novas oportunidades de reflexão. Hoje, ao encerrar mais uma jornada de trabalho, fiz minha parada habitual no boteco de sempre e encontrei meu amigo Natal. Entre um gole e outro, conversamos sobre o dia de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das Crianças ~ duas celebrações que, de certo modo, se entrelaçam. No meio da conversa, ele ~ com seus 7.0 de estradas percorridas, sete meninos e uma menina ~ começou a recordar a infância. Disse sentir saudade da escola, dos amigos, das professoras, do respeito e, sobretudo, da música. entre risos e lampejos de nostalgia, cantarolou duas canções de seus tempos de menino, que soavam mais ou menos assim:

“… sou alegre, sou criança que dança, que canta, não deixo de sorrir. as minhas horas são ligeiras, brejeiras …”

e a segunda:

“Desperta no bosque, gentil primavera, com ela chegou o canto gorjeio dos sabiás trá-lá-lá. Com lindos trinados, suaves e belos, gentis vão os passarinhos, saudando a primavera trá-lá-lá…

Mas antes desse encontro poético e musical, acompanhei dona Maria Alva e seu João até a igreja, logo depois de sairmos do supermercado. No caminho, ele, ainda indignado com os preços, contou-me que, ao ver à frente um sujeito empurrando dois carrinhos cheios até a borda, pensou: “esse aí deve ter um mercadão, vai revender e ficar rico; já eu, com essa cestinha que virou uma simples sacolinha plástica, vou só garantir a sobrevivência por mais um dia.”

Na sequência, veio a Aymê, que cria três filhos com a esposa e sonha em voltar para o Ceará ~ porque São Paulo, diz ela, foi uma grande ilusão. E então me veio à cabeça um refrão do Nando Reis, aquele de “Janeiro a Janeiro”: “meu amor não será passageiro.”

Depois, vieram muitas outras corridas ao longo do dia ~ ao todo, quinze. Mas algumas ficaram marcadas. Dona Fátima, viúva de marido vivo desde os 35 anos, por exemplo: criou, com ajuda de Nossa Senhora Aparecida, oito filhos, tem 22 netos e, agora, é responsável por três dos nove bisnetos. Contou-me, com um brilho manso no olhar, a alegria de ter se aposentado aos 60 anos e conquistado uma casa longe do morro. Naquele dia, seguia para visitar uma das netas e celebrar o dia da Santa Mãezinha Aparecida. Disse que hoje vive num bairro melhor, onde pode usufruir de pequenas felicidades quase na porta: uma farmácia “Seu Médico Particular” e um supermercado completo, com preços que cabem em sua aposentadoria ~ o bastante para seguir ajudando na criação dos três bisnetos.

Gostou tanto da minha ‘pessoa’ que se sentiu envergonhada de me dar uma gorjeta, que eu teimosamente recusei várias vezes. Mas ela disse que, mesmo sem me conhecer, já havia separado os R$ 5,00 ~ que é de seu hábito presentear. Que eu merecia muito mais por ter sido um bom ouvinte e que iria lembrar com alegria do dia de Nossa Senhora, que Ela, com certeza, guarda a minha missão.

Foi então que surgiu a Missionária Raquel. Na igreja que frequenta há 64 anos ~ desde o dia em que nasceu ~ as mulheres não podem receber o título de pastoras, conforme determina o decreto interno. Ainda assim, ela ocupa um lugar de destaque: é a primeira cantora do coral e se dedica à música desde os 12 anos.

Ela fala com entusiasmo sobre o trabalho missionário, reafirmando que, em sua fé, há um único Deus. Evita discussões e respeita quem venera santos. Enquanto seguimos pela saída da av. Inajar de Souza, rumo ao acesso da av. Dep. Emílio Carlos, ela recorda com alegria ter conhecido ambos ~ Inajar e o deputado ~, lembrando que os dois eram jornalistas. Conta ainda que votou em Dr. Emílio, pois o conhecera em Jaboticabal, sua terra natal.

Foi então que observei, apontando à frente: “veja que coisa curiosa ~ logo adiante, a maternidade; à direita, o hospital; e à esquerda, o cemitério. O começo está à frente, e, de ambos os lados, o nosso possível destino.” Mais tarde, ao comentar com Natal, ele soltaria sua ironia habitual: “esse é o verdadeiro condomínio de luxo ~ o único lugar onde os moradores não brigam com o síndico.”

Ela deu uma risada gostosa, aprovando o comentário, e completou: “foi nessa maternidade que meus dois filhos nasceram. Ainda não penso em me mudar para o tal condomínio, e o hospital, graças a Deus, está fora dos meus planos médicos. A Saúde, moço, graças a Deus, é boa.”

Por fim, conheci Agatha, mãe da Ju, que aos dez anos de vida enfrenta uma doença terrível e está internada em tratamento. A menina, que vem sofrendo ao longo de mais de um ano, é uma guerreira, e os profissionais do hospital têm muita esperança em seu restabelecimento e em sua longevidade, pois ela não desiste jamais, mesmo quando as dores são insuportáveis.

Agatha é formada em perícia criminal, mas desenvolveu seu talento sendo produtora de eventos e cuida, com muito carinho, de mais duas filhas sob suas asas. No trajeto, enquanto ela contava sua história, as lágrimas rolaram, e eu me senti um incompetente por ter esquecido os lenços de papel para aliviar o stress de sua narrativa. Parece algo, por muitos, imperceptível, mas um lenço é também um conforto e amigo nessas horas.

Na minha impossibilidade de lhe dar mais conforto, ofereci o acolhimento de uma amiga que é psicóloga, a Gláucia Flores [@onco_psi] e trabalha com situações em que a pessoa ~ tanto o paciente quanto o familiar ~ precisa de um conforto além do espiritual e de técnicas para ajudar a acalmar a mente e melhorar o foco. Como nem sempre nossas crenças e pensamentos são verdadeiros, a ajuda de um profissional é capaz de nos dar uma trilha de interpretações para seguir o melhor caminho.

Espero que ela faça contato e que hoje, mais do que nunca, como ambas acreditam na força do pensamento, que Nossa Senhora irá abençoar e que a criança que dança, que canta e é feliz tem o direito de ver e ouvir, na primavera, o canto dos pássaros a embalar seus sonhos brejeiros e pueris.

Frei e-uBer, motorista de histórias e espectador de vidas, assina esta crônica entre um congestionamento e uma esperança.
LuzeAzvdo-Frei_e-uBer
Em cada corrida uma Estória. Em cada Estória: Fé que transforma!
Frei e-Uber | Desembréia de Deus

Papo Reto: 11 986 939 147

Desembréia: 02861-060 – Brasil, São Paulo, Cachoeirinha, Vila Rica, Ouvídio José Antônio Santana.

@Luze.Azevedo
@Frei.eUber
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LuzeAzvdo-Frei_e-uBer

Frei e-Uber

A cidade grande não recebeu o jovem sonhador com braços abertos. Sem dinheiro e sem conhecer ninguém, dormiu em rodoviárias e passou fome antes de encontrar um emprego lavando pratos em uma lanchonete. Subiu para chapeiro e depois subchefe, trabalhando exaustivamente, agarrando cada oportunidade, cada centavo. Mas a promessa de voltar para buscar sua família parecia sempre mais distante.

Foto de Matheus Natan: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pessoas-cruzando-a-rua-1813406/