Eles entraram primeiro no carro, de mãos dadas, e se acomodaram bem no meio do banco traseiro, como quem não quer deixar espaço para o acaso se meter. Atrás deles, vinham os pais ~ um em cada janela ~ guardando o silêncio de quem ainda está aprendendo a caber no novo. Aquele tipo de silêncio que não é ausência de som, mas um espaço de escuta, de respiração e de espera.
Ariele e Heitor, numa quinta-feira nublada e fria, pareciam dois raios de sol de dez anos ~ quase gêmeos, embora o tempo os tivesse lançado ao mundo com uma diferença de três meses e doze dias. Com a autoridade inocente de quem ainda não conhece o amargo sabor do futuro, anunciaram que estavam “formando uma nova família”. Entre risos e planos feitos na hora, revelaram que o destino da viagem era a Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo, onde conheceriam a casa nova.
Descreviam quartos coloridos, um cachorro brincando no quintal, bicicletas na varanda e uma árvore que prometiam crescer junto com eles. Falavam como quem acredita, de coração, que a vida inteira pode ser vivida em uma única tarde de sol, e que toda a felicidade do mundo cabe, sim, dentro de uma caixa de mudança.
Os pais, Marielle e ZéGê, ao contrário das crianças, ouviam em silêncio ~ conscientes de que ali se unia muito mais do que escovas de dente. Suas trocas de olhares eram discretas, seus gestos, contidos. Talvez porque o amor adulto já tenha aprendido a dosar os passos, a temer os tropeços e a desconfiar da própria sorte. É um amor que carrega no bolso o peso de histórias inacabadas e no peito o medo de repetir as feridas. Um amor que avança cercado de cautelas, de “e se” e “quem sabe”, como quem tenta montar um móvel complexo sem nenhuma instrução.
Já o amor das crianças não ~ é inteiro, descomplicado, corajoso. É verbo no presente, não exige garantias, apenas presença. Elas constroem o amor como quem ergue uma casa de brinquedo: com tijolinhos de riso, paredes de confiança e telhado de esperança. É um amor que acredita no amanhã, mesmo que ainda nem saiba o caminho.
No trajeto, enquanto o carro deixava a Vila Formosa e os sons da Zona Leste iam ficando para trás, pensei que talvez a vida fosse exatamente isso: uma sucessão de recomeços disfarçados de corridas curtas. Porque viver é, de algum modo, aprender a empacotar o que já foi, desembrulhar o que virá e reorganizar o coração no espaço possível.
O amor?! Ah, o amor… esse teimoso que desaba uma vez, mas insiste em reconstruir com o que sobrou. Ele se levanta com a mesma fé de quem repara uma casa antiga, confiando que ainda há beleza nas rachaduras e sentido nos vazios. E foi ali, naquele carro comum de uma quinta-feira, com cara de domingo qualquer, que compreendi: o amor não se trata de começar do zero, mas de continuar do ponto em que o coração parou de ter medo.
Lá estavam eles, quatro corações tentando aprender a mesma lição: a de que viver é, acima de tudo, saber recomeçar; e que os próximos Dias das Crianças serão delas.
Porque o amor, quando se permite outra chance, não volta ao ponto de partida ~ ele recomeça do ponto em que o medo resolveu descansar. E é nessa pausa entre o que foi e o que ainda pode ser que a vida, discreta e generosa, decide se reinventar, de mãos dadas.
