“Meu nome é Abraham Solomon Ode. Alguns me chamam de Abraham, outros de Avraim. Ouço Ibrahim às vezes, Avi. Mas prefiro Abe.”
“Abe” é um filme de comédia dramática de 2019, dirigido por Fernando Grostein Escobar de Andrade ~ um cineasta, músico e produtor brasileiro ~ e estrelado por Noah Schnapp e Seo Jorge. O filme conta a história de Abe, um garoto do Brooklyn que tem uma paixão por culinária e se torna aprendiz do chef brasileiro Chico [Seo Jorge], que usa a gastronomia para tentar superar as barreiras culturais e manter sua família, dividida entre as origens israelense e palestina, unida.
Acabo de assistir ao filme por indicação de uma cliente, a Grace. Grace, mãe e avó, é daquelas que vivem desafiando cenários do cotidiano: corre para buscar o neto na escola, administra a fila do caixa do supermercado da Casa Verde, tenta dar conta da máquina de lavar que insiste em parar no enxágue e ainda encontra tempo para falar de cinema. O neto dela é fruto de uma união improvável ~ uma mãe palestina e um pai judeu ~ que tentam construir a paz dentro de um apartamento de dois quartos, do outro lado do rio Tietê, na Barra Funda, em São Paulo.
Foi entre uma reclamação sobre o preço do tomate e a pressa para pegar o ônibus 177P-10 [Casa Verde – Metrô Butantã] ~ que Grace perdeu, ficando atrasada ~ que ela me convenceu: “Assiste o Abe, vai te fazer pensar sobre como a gente tempera a vida em meio ao caos”. Depois desse filme, que já assisti umas mil vezes, rs!, passei a entender melhor o caos que vive essa síntese da minha família perante as coincidências atuais do mundo.
O filme, segundo ela ~ que foi feito pelo irmão do Luciano Hulk [aquele que eu não suporto] ~, conta a história de um garoto chamado Abe, apaixonado por culinária, que sonha em ser cozinheiro. Com a ajuda de um chef brasileiro, o Chico, ele busca a receita ideal para acabar com as barreiras culturais que dividem sua família.
Percebi, assistindo ao filme, que enquanto a tela mostrava a luta do menino para unir mundos distintos, ecoava em mim uma frase: “a vida não se conquista num ato heroico, mas no detalhe repetido todos os dias, no feijão que se põe no fogo, no café que acorda o corpo, na paciência de esperar o pão crescer”.
É o mesmo com a Palestina e o Israel. Não existe prato mágico que resolva de vez o amargo da guerra. Mas talvez haja na rotina – no cozinhar juntos, no sentar à mesa sem armas, no tempero que lembra a infância – o começo de uma reconciliação possível. E é assim que Grace lida com as disputas diárias do seu trabalho como chefe de logística numa empresa de transporte, trabalhando em home office, e com as dificuldades da filha em conseguir um emprego. O que faz dela ‘BabáVó‘ em tempo quase integral.
Grace sabe disso. Entre o barulho do trânsito e a correria da vida, ela cuida do neto como quem prepara o mundo para ser mais justo. E talvez seja esse o segredo: um dia de cada vez, um prato de cada vez, um gesto de cada vez, até que a paz deixe de ser só uma receita e se torne a refeição servida.
