"olá, tudo bem?"

De Carona com a Fé

Hoje, quem sabe? A chave ainda não se revela por inteiro. Mas o tempo ~ esse mestre paciente ~ costuma abrir portas no silêncio. E então você há de perceber: viver é a travessia mais ousada que existe; escrever, a maneira mais bonita de iluminar cada dobra do percurso. No fim das contas, sua vida já pulsa de sentidos por todos os lados. Falta só você afiná-los com o próprio coração.

Então aqui vai um conselho: "Viva hoje, porque ontem já deixamos na curva e amanhã ainda está no semáforo fechado.
O presente é o caminho certo, com fé no que você faz agora, Deus ilumina o destino.
Vem comigo, pé no acelerador, que o hoje é nossa melhor estrada!"

– Frei e.uBer,
aBordo do Desembréia de Deus.

Endora, Trinta Anos Depois: Novas Memórias.

Três décadas após seu lançamento, Endora retorna ao autor por obra do acaso ~ ou da insistência de uma amiga que resgatou um exemplar esquecido num sebo e o desafiou a revisitar a obra. Assim nasceu o impulso de atualizar o texto, alinhá-lo ao presente e reencontrar, entre memórias e transformações, o mundo que moldou suas primeiras páginas.

A decisão de reescrever Endora nasceu de um acaso insistente. Um exemplar esquecido num sebo foi resgatado por uma amiga querida ~ e obstinada ~ que, por quatro meses, não desistiu de me provocar: queria ver a obra ajustada ao presente. Assim, Endora retornou às minhas mãos como um convite silencioso, desses que não permitem recusa. Atualizá-la parecia simples apenas na superfície: tratava-se de revisitar um livro com mais de três décadas e alinhá-lo às normas do português unificado após o Acordo Ortográfico de 2009. Sem falar, é claro, que eu já não tinha mais os originais ~ todos escritos numa velha Olivetti Lettera 82 portátil. Mesmo assim, aceitei o desafio.

A primeira edição de Endora nasceu em meio a um turbilhão de mudanças ~ sobretudo minhas. Eu deixava Sampa para me lançar na chamada Califórnia Brasileira, enquanto as cidades que me acolheram ao longo da vida ~ Ribeirão Preto, Jaboticabal, Guariba, Araraquara, São Carlos… ~ também atravessavam seu próprio rito de passagem. Abandonavam, pouco a pouco, a identidade cafeeira para mergulhar no ciclo da cana-de-açúcar, impulsionadas por uma nova matriz energética que redesenhava o horizonte econômico e social da região.

Era um tempo de transição intensa, feito de rupturas e reinvenções, e Endora, à sua maneira, acabou registrando esse movimento. Por meio das histórias de cinco famílias, o livro capturou a pulsação de uma época que ainda aprendia a se reconhecer.

Não sei dizer o que gosto mais: rock, cerveja, pés na areia ou o Santos. Só sei que, na praia, tudo isso se encontra… e eu também.

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Minhas paixões são claras: rock, cerveja gelada, pés na areia e o Santos FC, carinhosamente chamado de Peixe. E o meu lugar no mundo é a praia, onde tudo isso se reúne. No entanto, o que realmente me impulsiona é o desafio.

A conclusão de Endora, Novas Memórias trouxe uma emoção inesperada: a gratidão por um ciclo que se completou e a inquieta alegria diante do que ainda não conheço. Foi desse solo fértil ~ feito de dúvidas, silêncio e descobertas ~ que brotaram Desembréia de Deus e Frei e.uBer. Hoje, ambos caminham com pernas próprias, cheios de uma energia curiosa, quase indomável, que me conduz por trilhas que jamais imaginei percorrer.

Durante a pesquisa para esse novo rumo, deparei-me com um dado desconcertante: no Brasil, mais de vinte novas igrejas são fundadas todos os dias. A estatística [ os detalhes  estarão no livro ], me atravessou como um farol aceso na noite. Estaríamos mesmo em um “Brasil Cristão”? Ou presenciamos outro fenômeno, talvez mais terreno do que divino? Alguns “coleguinhas” ~ sempre afiados ~ sugeriram tratar-se apenas de “lavanderia”, um campo onde o interesse fala mais alto que a fé. Se essa fosse a única leitura possível, Endora me teria levado a um beco sem saída, e eu terminaria devastado por esse desfecho.

Tenho outros livros escritos antes de 2009 ~ Trícia; Dominique; Ópera da Limpeza; A Tristeza do ‘Bóia-Fria’, Alegria do Feitor; As Cinco de Quinta; O Somatório Perfeito; e, donaMãe, também conhecida como Zina ~ mas nenhum deles me trouxe o tipo de inquietação que este novo projeto provocava.

Foi então que uma pergunta surgiu, simples e incômoda: Motorista de aplicativo tem livro? Ao que tudo indica, não. Só taxistas, até onde pude alcançar. Estaria eu certo nessa impressão?

Na dúvida ~ e porque a dúvida sempre foi um ótimo motor ~ decidi escrever sobre a vida de um Motora; esse apelido afetuoso que os motoristas de aplicativo carregam como crachá invisível. Para isso, fiz o que um ator faz quando precisa encontrar a verdade do personagem: fui viver o papel. Tornei-me Motora para compreender o ritmo das ruas, o fluxo das emoções e os caminhos que a vida reserva a quem dirige sem roteiro.

No banco de trás da Desembréia, assim como num divã ou confessionário, as pessoas se abrem em suas verdades. Das conversas que brotam ali, seria possível escrever várias crônicas por dia. Mas o que eu realmente buscava era unir essa experiência bruta ao Frei e.uBer  ~ que não poderia ser pastor, para não acender brasas desnecessárias nas disputas cristãs. Assim nasceu uma igreja móvel, que acolhe quem precisa, não pede dízimo e recebe, em troca, um oceano de carinho.

Embora o livro sobre a vida do Motora Frei e.uBer não seja feito de causos de passageiro ~ esses fiéis que a vida coloca no banco de trás ~, e sim da jornada do próprio Frei, foi justamente essa lida diária que me deu um punhado generoso de estórias e um jeito novo de enxergar o mundo pelas frestas das janelas em movimento. E, tal presente, não posso negá-lo! Absorvo-os e devolvo em escrita.

Hoje, pode ser que o propósito ainda lhe escape. Mas, no compasso certo, você vai perceber: viver é a aventura maior; escrever é o ofício de dar sentido a cada curva. No fim das contas, sua vida já tem todos os sentidos ~ só precisa aprender a escutá-los com mais cuidado.

"Cêis sabem, né, uai?

Aqui é assim: chegou a ‘aBordo’, uma revistinha que vai saindo de quinze em quinze dia. E o nosso trem é cumprida na medida, sô!

Vamo é tratar da vida do Frei e do Uber [ ou melhor dizendo, do 99, uai! Que o Uber, nesse causo, é mais da origem do Frei, que é lá de Uberlândia, mas o serviço memo ele faz mais é no 99, saindo pra rodá pelas rua ] , desses perrengue tudo e das conquista que a gente sabe que vem. É pra trazer um cadim de prosa sobre as crônica da vida, focar naqueles assunto do dia a dia, desses que a gente comenta no boteco.

Aqui nóis não inventa moda, não. Fica longe dessas fuxicagem de poder e discussão de religião, que é pra deixar a cabeça leve.

No fim das conta, a aBordo é que nem aquele cafezin quente no bule de manhã pra começar o dia com tudo, e aquele gole de cerveja bem gelada no final do expediente. Uai, nóis não é de ferro, sô!

Ah, e fica o combinado: o carro, o [Desembréia], é quem fica com o café… e o Frei, com a cerveja, uai! Tá combinado, então?”

Explicação do “sotaque” aplicado:

  • “Cêis sabem, né, uai?”: Início com uma interpelação direta e coloquial ao leitor, marcando o tom mineiro.

  • “Revistinha”: Diminutivo afetivo, muito comum, para revista.

  • “Trem”: Palavra curinga mineira para “coisa”, “negócio”. Em tudo cabe um “Trem”.

  • “Cumprida na medida”: Expressão que significa “na dose certa”, “perfeita”.

  • “Cadim”: Redução de “cadin” (um pouco), típica da fala.

  • “Nóis”: Pronúncia clássica para “nós”.

  • “Fuxicagem”: Termo mais suave e regional para “intrigas”.

  • “No fim das conta”: Pronúncia comum para “No fim das contas”.

  • “Cafezin”: Diminutivo carinhoso para café.

  • “Gole de cerveja”: Som mais suave e convidativo do que “cerveja no final do dia”.

  • “Tá combinado, então?”: Finaliza com uma pergunta que busca confirmação e cria cumplicidade, como é típico nas conversas mineiras.